sexta-feira, 5 de junho de 2009

A crise e o consumidor brasileiro



Li há pouco um material interessante recebido de um relatório de uma corretora de valores. Mostra um perfil da renda e do endividamento do brasileiro. São bastante otimistas quanto à retomada do consumo no Brasil se os juros caírem e se o crédito se ampliar.

O gráfico acima mostra a evolução mensal (entre janeiro de 2004 e abril de 2009) da renda média mensal (em amarelo), do débito médio mensal (em azul) e do percentual de endividamento (em vermelho) do brasileiro "típico".

A renda tem crescido devagar e sempre, mas o gráfico mostra que o endividamento tem se mantido aproximadamente constante, em torno de 17% da renda.

Ao contrário dos extra, hiper, super endividados americanos, nós, brazucas, só descobrimos o que é crédito recentemente. E brasileiro compra o que cabe no orçamento, em zilhões de prestações mensais, sem pensar nas taxas de juros, imagine se elas caírem na ponta do consumidor, será a farra dos eletrodomésticos. Segundo o relatório da corretora, ao contrário do que eu acabei de dizer, a qualidade do crédito no Brasil é ruim, pois os consumidores pagam taxas altíssimas (o que é verdade) em prazos curtos (o que só é verdade se levarmos em conta que no Brasil praticamente não existe financiamento imobiliário).

A parte "boa" desta situação é que, num cenário de crise, a curta duração dos financiamentos diminui a exposição ao risco de todos os envolvidos, ou seja, não existem bancos com exposições relevantes de riscos em 30 anos, como no caso das hipotecas nos EUA. Também, por causa das altas taxas de juros, os consumidores que podem, tomam financiamentos em prazos curtos.

Entretanto eu não sou tâo otimista assim com relação a esta idéia de consumidores tomando empréstimos a prazos curtos no Brasil. Como já disse, o brasileiro típico, e aí inclui-se especialmente a nossa nova "classe média" (classe C), compra o que cabe no orçamento (e as Casas Bahia não me deixam mentir) e bancos aprovaram recentemente financiamento de carros em 80 meses.

Assim, acho que o setor de consumo de bens duráveis pode se sair bem durante a crise e depois dela, mas o resultado pode ser um considerável aumento na inadimplência.

Tenho algum medo, talvez por excesso de conservadorismo, do surgimento de algumas bolhinhas especulativas aqui e ali no Brasil, e acho que isso está acontecendo na Bovespa hoje, após um substancial aumento no preço das ações, com as empresas ainda em situação claudicante.

Se o pacote de bondades do governo com a redução do IPI for prolongado após 30 de junho, a venda de carros em 80 "suaves" prestações será histórica, pois dados de hoje colocam as vendas do ano no mesmo patamar do ano passado, o melhor da história, apesar da sensível queda na exportação de veículos em 2009. Ou seja, é o mercado interno mantendo a economia brasileira em funcionamento.

Enfim, para resumir - o mercado interno pode sim dar uma grande ajuda para aliviar a situação do Brasil na crise, mas ele não tem a capacidade de "salvar" o país, e aumentar o endividamento do consumidor não é a solução. Mercado interno só é solução se existe renda, e renda sustentada não se faz com Bolsa Família, e sim com empregos de qualidade.


Uma questão que eu ainda não vi devidamente quantificada (mas que pode estar em todos os lugares e eu apenas estou mal informada) é: quanto é a perda fiscal do governo pela renúncia do IPI? E quanto é a receita adicional dos outros impostos (ICMS e IPVA recebidos pelos estados) obtido através da venda de carros novos que, do contrário (sem redução do IPI) não seriam vendidos. Parece que está havendo uma transferência fiscal da União para os Estados, mas não sei se é um jogo de soma zero, ou quase isso. Enfim, gostaria de ver a conta. Se, ainda assim, os Estados estão arrecadando uma quantidade expressiva de dinheiro, "meno male", em teoria, pois haveria recursos disponíveis para investimentos estatais, só que em outro nível, local, e infelizmente até mais sujeito às maracutaias que todos conhecemos.