terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Crise Mundial 5

Esta veio do Valor de ontem, traduzida da Bloomberg, e tem tudo a ver com o post anterior sobre China, EUA e seu gigantesco déficit em conta corrente.

A China, Madoff e os "treasuries"
William Pesek
12/01/2009


As livrarias de Pequim fariam bem em manter em suas prateleiras livros de Johann Wolfgang von Goethe. Sua obra ajudará as autoridades chinesas a compreender a "pacto faustiano" no qual estão envolvidas com os EUA.

A referência, aqui, é a abrir mão de princípios em troca de ganhos passageiros. Na literatura, o Fausto de Goethe é um mítico alquimista alemão que assume um um pacto com o demônio. E é nessa condição, essencialmente, onde a China, maior detentora estrangeira de dívida americana, se encontra no momento em que os EUA reaquecem sua economia.

O secretário do Tesouro, Henry Paulson, não é o diabo, mas em seu mandato os EUA transformaram-se numa enorme máquina emissora de endividamento. O Birô de Orçamento do Congresso (BOC) diz que o déficit americano mais que dobrará neste ano, para pelo menos US$ 1,18 trilhão, o maior desde a Segunda Guerra Mundial.

Barack Obama tem planos ainda maiores. As estimativas do CBO não incluem o custo do pacote de estímulo do presidente eleito, que provavelmente acrescentará pelo menos US$ 750 bilhões ao total nos próximos dois anos. No ano passado o déficit totalizou US$ 455 bilhões. Os EUA precisam do dinheiro chinês mais do que nunca.

"Passei a maior parte dos primeiros dois trimestres de 2008 embasbacado diante do ritmo de acumulação das reservas chinesas", escreveu, em Nova York, em seu blog, o economista Brad Setser, do Conselho para Relações Exteriores, nesta semana. "Suponho que passarei os primeiros trimestres de 2009 pasmo diante da escala do déficit fiscal americano".

Todo esse endividamento poderá fazer estourar o que Bill Gross, co-diretor da Pacific Investment Management Co., de Newport Beach, Califórnia, denomina "um mercado com algumas características de bolha". Isso não está escapando à atenção das autoridades em Pequim.

A China detém US$ 653 bilhões em títulos do Tesouro dos EUA, e há sinais de que os chineses estão perdendo seu apetite por dívida americana. A expectativa é de que a segunda maior economia asiática venha a cortar a presença de dólares em suas reservas de US$ 1,9 trilhão, e, possivelmente, substancialmente.

Os EUA estão, afinal de contas, agindo em detrimento de seu melhor cliente. Assim como acionistas abominam quando as companhias diluem suas ações com novas ofertas, os gestores da dívida chineses não podem ficar contentes com os planos do Tesouro.

Além de seu pacto faustiano, poderíamos nos perguntar se a China está também envolvida num "pacto madoffiano".

Não, o Tesouro não está armando uma enorme fraude do tipo pela qual é acusado o financista Bernard Madoff. Mas o cenário da dívida de US$ 5,3 trilhões mais se assemelha a um esquema Ponzi do que a um mercado.

Madoff personifica a ganância, falta de transparência e a confiança perdida que acompanharam a queda de graça dos EUA. Apesar de céticos terem questionado a veracidade do desempenho de Madoff ao longo de anos, as agências competentes não tomaram providências. Elas acreditaram nas afirmações e números de Madoff.

A razão pela qual as empresas de classificação de crédito não estão alarmadas e ameaçando rebaixar o status creditício americano é sua confiança. Existe uma profunda convicção de que esse emissor de moeda de reserva - não endividado em moeda estrangeira - sempre cumprirá suas obrigações. Isso não significa que estejam errados os críticos em cuja opinião o mercado transformou-se no maior esquema de pirâmide do mundo.

O que mantém o esquema funcionando é a idéia de que sempre haverá dinheiro novo entrando para salvar os investidores já participantes. O funcionamento apresenta uma dinâmica muito semelhante ao de um esquema de pirâmide. Os detentores de títulos do Tesouro americano não perderão tudo, como poderá ocorrer com os investidores ludibriados por Madoff. Mas a China vai sofrer, quando estrangeiros venderem títulos do Tesouro dos EUA e os rendimentos dispararem.

A questão é: com que agressividade a China irá se proteger do que parece cada vez mais um "conto do vigário". Economistas do Deutsche Bank AG em Frankfurt, por exemplo, estimam que a China reduzirá a participação de dólares (em suas reservas) para cerca de 45% neste ano, de mais de 70% em 2003.

Evidentemente, tendo se envolvido nesse arranjo, a China tem dificuldades para dele escapar. A função de sua economia é em larga medida vender produtos industrializados no exterior.

"Não estou sugerindo que esse modelo seja irrevogável", diz David Gilmore, sócio na Foreign Exchange Analytics, em Essex, Connecticut. "Como qualquer coisa em economia, o cenário evolui. Mas em meio a um desaquecimento mundial que o mundo não viu desde a Segunda Guerra Mundial, agora é a hora para que a China descarte o modelo econômico existente e adote um novo".

Desenvolver uma demanda interna é um objetivo de longo prazo que exige habilidade na condução de políticas e um nível elevado de tolerância a turbulência no curto prazo. Não está claro se 2009 é o ano em que deva ser promovida tal transição.

O melhor cenário para a China é que os consumidores americanos retomem a compra de seus produtos. A China tem auto-interesse em nada fazer que complique as coisas para a economia de maior porte. Desfazer-se dos títulos do Tesouro americano ganharia as manchetes, precipitaria uma aversão ao dólar e prejudicaria o crescimento americano.

Isso não significa que a China deseje arriscar mais dinheiro num esquema Ponzi em seus estertores. O mundo está cheio de exemplos de como isso pode terminar. E a China, com sua população de 1,3 bilhão de pessoas, certamente poderia usar uma parte desse dinheiro em casa, num momento em que sua própria economia revela-se claudicante.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Crise Mundial 4

E assim continuamos com a novela.
O corte e cola abaixo vem do Economist desta semana, e mostra o "flight to safety" para títulos sem risco do Tesouro dos EUA, derrubando suas taxas e aumentando seus preços, o que não deixa de ser uma comédia, já que a crise estourou lá, e os EUA até agora parecem ser o país mais duramente afetado (os dados de desemprego em 2008 são de chorar...)

Incidentalmente, até o nosso querido Brasilll conseguiu emplacar uns títulos de 10 anos esta semana, com alta demanda e um "spread" relativamente baixo (370 pontos base sobre os títulos do Tesouro dos EUA, ou 3,7%).

The bond bubble?
Jan 8th 2009
From The Economist Intelligence Unit ViewsWire


Panicky investors have pushed bond yields in America near to historic lows

As the global economic crisis has prompted investors to retreat to safety, demand for many developed-country government bonds, most notably those of the US, has surged. With yields for some government securities consequently near historic lows—implying prices at corresponding highs—there is growing talk of a bond-market bubble. This is fuelling concerns that, once confidence begins to improve, investors will pull out of government bonds in favour of higher-yielding assets, potentially causing fresh disruption to financial markets.

Unsurprisingly, developments in the market for US Treasuries have underpinned the bond-bubble debate. This is not only because of the size, liquidity and global importance of the US Treasury market but also because investors continue to regard US government debt as the safest of all assets. Some may regard this as ironic, given that the US is the epicentre of the global crisis and that the monumental cost of bailing out US banks and providing economic stimulus ought, in theory, to undermine the US's creditworthiness. However, the global flight to safety has trumped all other considerations. Despite low returns and the prospect of a sharp deterioration in the US fiscal position, government debt remains highly attractive to investors.

How attractive? Yields on 10-year Treasuries are at about 2.6%. This is slightly higher than the lows of mid-December, but compares with 3.8% a year earlier. Yields have fallen dramatically since the financial-market turmoil that followed the collapse of Lehman Brothers, an investment bank, in mid-September. Indeed, such has been investors' appetite for US government debt that in December, for the first time, the secondary-market yield on three-month Treasuries turned negative: in other words investors were paying the US government to hold its debt. In short, investors are now tolerating far more meagre returns, and in some cases even seem willing to lose money, simply for the privilege of parking their cash somewhere safe.

It is a broadly similar story elsewhere. UK 10-year government bonds are yielding about 3.3%, down from 4.5% a year ago. Two-year bonds are yielding about 1.1%, down from 4.3% a year ago. German two-year government bonds yielded 1.7% on January 6th, down from 3.8% a year earlier.

What all this means for now is that relatively creditworthy governments are able to borrow very cheaply. Given the immense fiscal costs of various financial-sector bail-outs and stimulus packages, and the prospect of more spending to come, this is a welcome development for the governments involved. Of course, borrowers perceived as less creditworthy are not enjoying the same low interest rates. The spread between Italian two-year government bonds and US Treasuries, for example, has widened to 212 basis points, from 124 basis points a year ago. And commercial borrowers continue to face tight credit conditions.

The key question is what happens when the current bond-market boom unwinds. (Whether or not the boom constitutes a "bubble" is perhaps academic; some would argue that it is not a bubble because the underlying motivation has been risk aversion rather than speculation.) US Treasuries gave investors a return of about 14% last year, according to Merrill Lynch estimates, a very strong performance in the context of the big falls in global stockmarkets. But sooner or later, the extreme risk aversion evidenced in the flight to government bonds, and the concurrent freezing up of credit markets, is likely to ease, even if only slightly. Indeed, by some measures this may already be beginning to happen. Some Treasury yields have risen slightly on expectations of a large fiscal package from the incoming Obama administration.

But the very measures governments are taking to restore their economies to health are also likely to prove detrimental to the bond market. Some analysts and investors are already talking of bond prices being "ridiculously" high. Moreover, government policy poses risks to bondholders on two fronts. First, if stimulus efforts work, they will encourage investors to begin to move into slightly riskier assets, depressing bond prices. Second, the large stimulus packages planned by many developed-country governments—again, particularly, the US—will require further large increases in borrowing that could flood bond markets with new issues and undermine prices. The prospect of a disorderly bond-market correction is beginning to cause concern, given the global implications of a sharp fall in the value of US Treasuries, which are widely held by foreign governments and central banks. In the doomsayers' scenario, institutional investors would rush to sell their Treasury holdings into a falling market, with authorities in countries like China potentially doing the same and compounding the problem. At worst, this would lead to a collapse of the US dollar, a surge in US interest rates and even concerns about the sovereign's creditworthiness.

Yet such fears should not be overplayed. For one thing, it is by no means certain that the market has peaked. Even if government stimulus measures succeed beyond expectations, the severity of the global downturn means that the economic recovery is likely to be slow and fitful. So even if investors soon become slightly less risk-averse, continuing economic uncertainty and the risk of deflation should ensure that the majority will find bonds attractive for some time. Commercial banks, for example, can be expected to increase their holdings of US Treasuries as they continue to repair their balance sheets. The US Federal Reserve may also begin buying bonds directly from the US government, which would support prices. Nor is it clear that a massive bond sell-off by foreign holders of US assets, such as China, is anything more than a theoretical risk. China would have to adjust its dollar-centric exchange-rate policy in order to do so, with uncertain and potentially disruptive consequences for its domestic economy. Moreover, any reduction in Chinese holdings of US bonds might conceivably be offset by increased intervention by Japan, which is concerned about the strength of the yen.

Inflation is also a source of uncertainty for bond markets. Markets are caught between fears of a debt deflation spiral (good for bonds) and fears that government policy responses will eventually fuel high (or even hyper-) inflation. This is the key question facing bond markets. If sustained deflation did emerge, it could push yields down even further and prolong the bond bull market. But a sharp rise in inflation would have the opposite effect, sharply raising yields and causing heavy losses to investors who bought during the recent rise in the market.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Crise Mundial 3

Até agora falou-se principalmente das motivações internas da crise americana, o "imbroglio" das "subprimes" e como isso levou ao chão o setor financeiro e, em seguida, o setor real da economia.

Mas, os antecedentes da estória ainda não foram bem dissecados pela mídia. Recentemente eu li um livro (talvez excessivamente otimista) do Stiglitz de como a globalização pode dar certo, e um ponto que ele enfatiza é como o sistema de reservas internacionais deve ser reformulado.

A grande questão é: ao longo da última década, os países emergentes (em especial os asiáticos) acumularam reservas em moeda e títulos estrangeiros (particularmente dólares). Qual a conseqüência disso? Aumentaram a demanda por títulos "sem risco" dos EUA e grandes países desenvolvidos, levando à queda de juros nestes países. Os juros baixos no primeiríssimo mundo, por sua vez, produziram a farra financeira que se viu (subprimes inclusas), e também aumentaram o déficit em conta corrente dos EUA de maneira assombrosa. Os EUA se tornaram o tomador de empréstimos de última instância do mundo inteiro, e este dinheiro foi usado para financiar o seu excesso de consumo e a aventura no Iraque.

E que outras consequências isso teve? Os países ditos emergentes estão com o caixa cheio de títulos em dólares (e euros, e yens), até o nosso querido Brasilll tem US$ 200 bilhões em reservas, rendendo 0% ao ano, ou quase.

O que Stiglitz argumenta é que este dinheiro aplicado em moeda "forte" poderia render mais se aplicado em moeda local, em projetos dentro dos próprios emergentes.

Mas, a atitude dos emergentes é mais que compreensível - gato escaldado tem medo de água fria, e as reservas "cavalares" servem pelo menos como proteção psicológica contra ataques especulativos às moedas locais, embora com o tamanho dos mercados financeiros hoje em dia eu acredite que a proteção seja mais psicológica que real - se o mercado cismar com uma moeda, será difícil que ela resista (exceto no caso da China).

No caso dos asiáticos, a situação é ainda mais surreal - estes países têm poupança interna de verdade, não precisam importar capitais (ao contrário do nosso querido país tupiniquim, que oferece a maior taxa de juros do mundo a quem se dispuser a aceitar o "enorme" risco do Real). E ainda assim os asiáticos colocam seu dinheirinho no primeiro mundo.

A China é hoje o maior detentor de títulos de dívida do governo dos EUA, tem US$ 1 trilhão em títulos, mas segundo o NYTimes de hoje, o apetite chinês por dólares está acabando. O BC Chinês, que na prática dita as regras de funcionamento dos bancos naquele país, já avisou que a idéia é passar a investir em projetos locais.

E isso me leva a um outro livro, bem recente, que comecei a ler - Martin Wolf, Fixing Global Finance. Já no prefácio ele alerta sobre a situação que falei aqui, os EUA como o grande tomador de empréstimos do mundo, ou o "enxugador" da liquidez dos emergentes.

E a grande questão que surge é: que tipo de crise acontecerá quando a disposição dos outros países em adquirir títulos americanos diminuir, como se vê hoje com o comportamento da China?

Alguns poderiam dizer - azar, quem mandou os EUA se endividarem de tal maneira! Mas, a questão não é tão simples assim. Superávits e déficits em conta corrente são um jogo de soma zero. Se o déficit em CC dos EUA é enorme, existe uma coleção de países com superávits em CC cuja soma (pasmem!) é igualzinha ao déficit em CC dos EUA.

Logo, se os EUA forem "pro saco", todo mundo vai também, em maior ou menor escala, não é apenas uma "marolinha".

O que o Martin Wolf observa é, a crise do déficit já vinha se delineando há bastante tempo, e ninguém se deu ao trabalho de olhar. A questão que se coloca agora é: como sair dela da maneira menos dolorosa possível, e para esta pergunta de trilhões de dólares ninguém parece ter encontrado a resposta.




quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Crise Mundial II


Esta foto foi tirada da vitrine da Barnes e Nobles da 5a Avenida em Novembro de 2008. Dê uma olhada nos títulos dos livros. Apesar do bom humor de todos pós vitória do Obama, acho que dá para sentir as preocupações subjacentes, né?

E há quem ainda fale em "marolinha" ....

Crise Mundial I

A falta de tempo no fim de 2008 (na verdade, ao longo do ano inteiro) me impediu de postar no blog, e entramos 2009 como se não houvesse assunto.

E o GRANDE assunto, a meu ver, além da eleição do Obama, é a crise econômica que o Lula inicialmente chamou de "marolinha", e veremos ao longo deste ano como a economia brasileira se comporta neste novo contexto.

Assim, só me resta correr atrás do prejuízo e fazer um "corte e cola" do que já foi publicado por aí, para colocar a crise em perspectiva, e tentar mostrar o que os experts apontam como possíveis soluções.

De qualquer forma, se não servir para nada, fica como um bom registro para 2010 e 2011 para, em retrospecto, a gente ver o número de besteiras e acertos.

Começo com um corte e cola didático da Folha de São Paulo, de 13/12/2008. Não é meu jornal favorito, mas serve para os propósitos deste post inicial.

Não sendo pessimista como muita gente, FELIZ 2009!

Entenda a evolução da crise que atinge a economia dos EUA

da Folha Online

Bancos de diversos ramos nos Estados Unidos e em outros países, principalmente a Europa, já sofreram prejuízos bilionários e em alguns casos fecharam, desde agosto do ano passado. A partir de setembro deste ano, com a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, iniciou-se uma crise de confiança que travou o crédito e afetou outros setores da economia --em especial as que possuem vendas muito atreladas a financiamentos, como o automotivo.

A raiz do problema está no mercado de hipotecas norte-americano. O mercado imobiliário dos EUA passou por uma fase de expansão acelerada logo depois da crise das empresas "pontocom", em 2001. O Federal Reserve (Fed, o BC americano) passou a reduzir sua taxa de juros, a fim de baratear empréstimos e financiamentos e encorajar consumidores e empresas a voltarem a gastar.

O setor imobiliário se aproveitou desse momento de juros baixos: a demanda por imóveis cresceu, atraindo compradores. Em 2003, por exemplo, os juros do Fed chegaram a cair para 1% ao ano --menor taxa desde o fim dos anos 50.

Em 2005, o "boom" no mercado imobiliário já estava avançado; comprar uma casa (ou mais de uma) tornou-se um bom negócio, não só para quem queria adquirir a casa própria, mas também para quem procurava em que investir. Também cresceu a procura por novas hipotecas, a fim de usar o dinheiro do financiamento para quitar dívidas e consumir.

As companhias hipotecárias descobriram nessa época um nicho ainda a ser explorado no mercado: o de clientes do segmento "subprime", caracterizados, de modo geral, pela baixa renda, por vezes com histórico de inadimplência e com dificuldade de comprovar. O segmento "subprime", assim caracterizado, representa um risco maior de inadimplência que os de outras categorias de crédito. mas justamente por ser de maior risco, as taxas de retorno são bem mais altas.

A promessa de retornos altos atraiu gestores de fundos e bancos, que compraram esses títulos "subprime" das companhias hipotecárias e permitiram que uma nova quantia em dinheiro fosse emprestada, antes mesmo do primeiro empréstimo ser pago. Um outro gestor, interessado no alto retorno envolvido com esse tipo de papel, comprou o título adquirido pelo primeiro, e assim por diante, gerou uma cadeia de venda de títulos.

Porém, se a ponta (o tomador) não consegue pagar sua dívida inicial, ele dá início a um ciclo de não-recebimento por parte dos compradores dos títulos. O resultado: todo o mercado passa a ter medo de emprestar e comprar os "subprime", o que termina por gerar uma crise de liquidez (retração de crédito).

Após atingir um pico em 2006, os preços dos imóveis, no entanto, passaram a cair. Os juros do Fed, que vinham subindo desde 2004, encareceram o crédito e afastaram compradores; com isso, a oferta começou a superar a demanda e, desde então, o que se viu foi uma espiral descendente no valor dos imóveis.

Com os juros altos, a inadimplência aumentou e o temor de novos calotes fez o crédito sofrer uma desaceleração expressiva no país como um todo. Sem oferta suficiente de crédito, a economia dos EUA desaqueceu. Com menos liquidez (dinheiro disponível), menos se compra, menos as empresas lucram e menos pessoas são contratadas.

No mundo da globalização financeira, créditos gerados nos EUA podem ser convertidos em ativos que vão render juros para investidores na Europa e outras partes do mundo. Por isso o pessimismo influencia os mercados globais e atinge tão profundamente a Europa.

Primeiros efeitos

Esse era o cenário quando o o BNP Paribas Investment Partners --divisão do banco francês BNP Paribas-- congelou, em agosto do ano passado, cerca de 2 bilhões de euros dos fundos Parvest Dynamic ABS, o BNP Paribas ABS Euribor e o BNP Paribas ABS Eonia. A alegação do banco era de preocupações sobre os pagamentos de crédito "subprime" nos EUA.

Diante dessa medida, o mercado imobiliário reagiu com pânico. Gigantes do setor hipotecário, como a AHM (American Home Mortgage), uma das 10 maiores empresas do setor de crédito imobiliário e hipotecas dos EUA, pediu concordata. A Countrywide Financial, outra gigante do setor, teve de ser comprada pelo Bank of America. Citigroup, UBS, Bear Stearns e outros grupos financeiros de escala global perderam bilhões com os papéis ligados a hipotecas "subprime".

Um ano depois

A crise, longe de perder fôlego, teve suas forças renovadas em setembro deste ano. As gigantes hipotecárias americanas Fannie Mae e Freddie Mac deram sinais de que poderiam quebrar. Com quase a metade dos US$ 12 trilhões em empréstimos para a habitação nos EUA em seus registros, o Departamento do Tesouro interveio para evitar o pior: anunciou uma ajuda de até US$ 200 bilhões.

O Lehman Brothers, no entanto, foi deixado à própria sorte: afetado pelas perdas com a crise dos "subprime", o banco viu malograrem tentativas de encontrar um comprador e de levantar fundos junto a outras instituições privadas para tocar suas operações financeiras. Mesmo o governo negou um empréstimo. No último dia 15, a solução encontrada pelo banco foi pedir concordata.

Ao fim do Lehman se seguiram a venda do Merrill Lynch ao Bank of America; a ajuda de US$ 85 bilhões à seguradora AIG, também sob risco de quebrar por falta de fontes de captação de empréstimos; a quebra do banco do segmento de empréstimos em poupança ("savings & loans") Washington Mutual (WaMu) --no que, segundo analistas, foi a maior falência de um banco nos Estados Unidos--; e a venda do Wachovia, quarto maior dos EUA, que anunciou a fusão com o Wells Fargo, em uma operação de US$ 15,1 bilhões em troca de ações.

Os problemas do Wachovia têm boa parte de sua origem na aquisição da companhia hipotecária Golden West Financial em 2006, por cerca de US$ 25 bilhões, quando o mercado imobiliário ainda estava em um momento de euforia. Com a compra, o Wachovia assumiu US$ 122 bilhões em hipotecas do tipo 'Pick-A-Payment', na qual a Golden West era especialista. Nessa modalidade, os mutuários tinham permissão para deixar de fazer alguns pagamentos.

Combate

Para combater a onda de quebradeira entre as instituições financeiras e acalmar o mercado, o Congresso dos EUA aprovou o plano de ajuda de US$ 700 bilhões. A aprovação coloca na mão do secretário do Tesouro, Henry Paulson, dinheiro para tentar reverter a crise que abala o mercado financeiro mundial.

O plano do governo americano é usar os US$ 700 bilhões para comprar um artigo conhecido por um nome pouco atraente: títulos "podres", ou papéis cujo resgate é muito improvável --conseqüentemente, cujo risco de calote é alto. A maioria destes ativos são ligados justamente às hipotecas "subprime" (de alto risco).

Antes de ser aprovada, a proposta de Bush foi bastante modificada pelos senadores e deputados. A versão incluiu no plano mais US$ 150 bilhões em corte de impostos, benefícios fiscais para a classe média, pequenos empresários e famílias atingidas por acidentes naturais. Além disso, o pacote limita os poderes do Executivo para gerir o pacote, estreita a vigilância sobre a aplicação dos recursos e reduz os pagamentos milionários aos grandes executivos por trás das instituições financeiras que quebraram.

Porém, a esta altura a falta de confiança vista no financiamento imobiliário "contaminou" todo o segmento de crédito. Todos os setores da economia nos Estados Unidos passaram a reduzir suas vendas porque o consumidor médio americano, que é dependente de crédito para ir às compras, deixou de consumir.

Essa restrição ao crédito é, por enquanto, o principal meio de contágio da crise nos Estados Unidos para o resto do mundo. No Brasil, por exemplo, o crédito também apertou, pois faltou liquidez em dólares e as grandes empresas locais, que antes tomavam recursos no exterior, teve que se voltar ao crédito interno.

Montadoras

A crise foi especialmente ruim para as montadoras. Elas já vinham fragilizadas economicamente porque possui um sistema de aposentadoria para seus funcionários, montado na década de 1970, considerada hoje "impagável" pelas empresas --há atualmente 10 aposentados sustentados pelas "Big 3 de Detroit" (Ford, GM e Chrysler) para cada funcionário na ativa. A crise complicou definitivamente suas situações, pois as vendas despencaram, tanto por medo de consumir do americano como pela falta de crédito.

Devido a essa situação, as três grandes montadoras partem hoje para um pedido de socorro ao governo americano. Porém, ainda não há consenso se o governo deve ou não ajuda-las. No último acordo fechado, da qual as elas receberiam US$ 14 bilhões, o Congresso aprovou mas o Senado não. As negociações sobre a ajuda ao setor continuam.